Punição e estrutura social brasileira
ABCD PBi


Punição e estrutura social brasileira

  • Autor: Alemany, Fernando Russano
  • Orientador: Salvador Netto, Alamiro Velludo
  • Assuntos: Criminologia; História Do Brasil; História Econômica; Marxismo; Criminology; Economic History; History Of Brazil; Marxism
  • Notas: Dissertação (Mestrado)
  • Descrição: Em 1939, foi publicada Punição e estrutura social, de Georg Rusche e Otto Kirschheimer, obra fundamental da criminologia, que assinala a apropriação dos estudos da punição pelo marxismo. Em 2019, oitenta anos depois, o legado de Punição e estrutura social continua pouco explorado no Brasil. O objetivo deste trabalho é suprimir essa carência, contribuindo para a fundação de uma interpretação materialista da realidade punitiva brasileira. O texto está dividido em dois capítulos, além da introdução. Nesta, analiso a tese central de Punição e estrutura social, segundo a qual as dinâmicas do mercado de trabalho (escassez/excesso de mão de obra, aumento/queda dos salários) determinam as formas (o caráter e a intensidade) da punição no capitalismo. Embora imprescindível como ponto de partida, essa tese não dá conta de explicar a dinâmica atual da punição. O destaque unilateral que Rusche e Kirschheimer dão aos movimentos da esfera da circulação, negligenciando a dinâmica da produção da vida material, oculta o seu caráter eminentemente histórico, não permitindo ver como as transformações no modo de produção se expressam em transformações nas formas de regulação da vida social. Para superar essa limitação, busco ressaltar a natureza política da punição, a sua funcionalidade como instrumento de pressão sobre os salários (desvinculação entre valor e preço da força de trabalho), causa sui generis de contra-arraste à tendência de queda da taxa de lucro. No primeiro capítulo, busco desvendar a especificidade (sentido) da punição nas sociedades de capitalismo dependente. Recorrendo às categorias de O capital de Marx, à literatura sobre o imperialismo (Luxemburg, Hilferding, Bukharin, Lenin) e à vertente marxista da teoria da dependência (Marini, Bambirra, Santos), concluo que, nas economias dependentes, a necessidade de superexplorar a força de trabalho para compensar as transferências de valor para as economias imperialistas exige um esforço político por parte de suas burguesias para preservar o regime de acumulação por espoliação (Harvey) do fundo de consumo dos trabalhadores. Esse objetivo é alcançado através da instrumentalização das agências do sistema penal (polícia, justiça, prisão), contra as quais a classe trabalhadora, desorganizada, não é capaz de opor resistência, cedendo à pressão capitalista. Via de regra, portanto, a punição recrudesce sempre que se eleva a superexploração da força de trabalho, independentemente do \"estado da economia\" (Jankovic) ou do caráter da política social do Estado (Wacquant). No segundo capítulo, sumarizo a evolução (história) dos sistemas penais brasileiros. A partir da categoria de padrão de reprodução do capital (Osorio), divido a história do Brasil em quatro períodos: economia colonial (1500-1850), economia primário-exportadora (1850-1930), economia industrial (1930-1980) e \"nova\" economia exportadora (1980-atualmente), indicando, em cada um deles, as formas predominantes da punição. Durante o período colonial, a centralidade do latifúndio monocultor escravista (Prado Júnior) e a relação proprietário-coisa estabelecida entre senhores e escravos (Gorender) exigiram que os senhores de terras se incumbissem, privadamente, da tarefa de reprimir a força de trabalho. Após a independência, até o fim da Primeira República, a demora na abolição da escravidão permitiu que o exercício privado da punição fosse preservado nas regiões que perseveraram na exploração do trabalho escravo. Nas zonas rurais decadentes, o coronelismo (Leal) e a dominação pessoal (Franco), imperante na relação entre os senhores e os agregados de suas terras, levaram ao surgimento de milícias privadas sobrepostas ao poder do Estado. Concomitantemente, a necessidade de constituir uma classe de trabalhadores livres impulsionou a repressão estatal contra a economia rural de subsistência (Lei de Terras, recrutamento forçado), bem como a integração subordina do negro no sistema mais amplo de relações de produção (Fernandes),via de regra, na fração estagnada do exército industrial de reserva. A partir de 1930, com a industrialização, até o final da ditadura militar, fatores como o crescimento urbano e o desenvolvimento industrial associado ao capital estrangeiro (subimperialismo) conduziram a um aumento expressivo dessa fração da superpopulação relativa. Esses trabalhadores, para sobreviverem, produzem bens e serviços que são vendidos no mercado informal abaixo de seu valor real (Oliveira, Kowarick), o que permite atenuar os efeitos da superexploração sobre os trabalhadores do exército industrial da ativa. São os superexplorados dentre os superexplorados, alvos preferencias do sistema penal, selecionados por critério racial e territorial: são os negros e moradores das periferias. Para cumprir essa nova função, o sistema penal é reformado: surgem as polícias militares (Fernandes, Battibugli, Guerra), intensificase o recurso às prisões correcionais (Fausto, Teixeira). Finalmente, desde a década de 1980 até os dias de hoje, vamos assistindo à conformação do capitalismo brasileiro a um novo padrão de reprodução do capital. A volta de certas características da economia exportadora e a especialização produtiva têm conduzido a economia brasileira à desindustrialização, ao aumento do investimento puramente fictício de capital (Carcanholo), ao crescimento do exército industrial de reserva e, de maneira geral, ao aumento da superexploração da força de trabalho. Mesmo o último ciclo de crescimento da economia dependente não foi capaz de deter essa tendência, que se confirma, novamente, com o recrudescimento do sistema penal, agora sob a forma do aumento da violência policial e do encarceramento em massa. Desta feita, a oposição entre trabalhadores e bandidos (Feltran) atua no sentido de jogar a classe trabalhadora contra si própria, numa espiral de violência que não pode ser superada senão com a superação da dependência, que a porta como uma necessidade histórica.
  • DOI: 10.11606/D.2.2019.tde-02072020-153548
  • Editor: Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP; Universidade de São Paulo; Faculdade de Direito
  • Data de criação/publicação: 2019-07-25
  • Formato: Adobe PDF
  • Idioma: Português
 
Disponível na Biblioteca:
  • FD - Fac. Direito (343.97(81)(043) A351p DPC/DPM )